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O jantar que mudou a história do design

D.J. De Pree e George Nelson

Uma das parcerias mais produtivas da história do design teve início com um jantar entre dois homens, no restaurante do hotel Book-Cadillac, em Detroit, na noite do 27 de novembro de 1944. O mais novo deles, George Nelson, era um jovem arquiteto e editor de revista, que havia ganhado o Prêmio Roma e estudado em Yale, e acabara de publicar um artigo na The Architectural Forum no qual propunha, como solução de armazenamento, substituir as paredes não-estruturais das casas por caixas modulares projetadas para guardar objetos. O outro, já de idade mais madura, era D.J. De Pree, fundador da Herman Miller, que procurava um substituto para Gilbert Rohde, designer que exerceu papel fundamental na adesão da marca ao modernismo e que falecera havia pouco tempo.

George Nelson e D.J. De Pree

Quase uma década antes, De Pree já declarara, em carta a Rohde, “deveríamos nos concentrar mais no modernismo”, e a marca dera passos importantes nessa direção. Em 1939, a Herman Miller abriu seu primeiro showroom em Chicago, promovendo-o como seu “Centro Modernista” e deixando em segundo plano suas linhas de mobiliário mais tradicionais. O artigo de Nelson, no entanto, deixava entrever a possibilidade de que novas mudanças, muito significativas, fossem ocorrer no design de mobiliário, e De Pree não queria correr o risco de ficar de fora.

A proposta da Storage Wall, a parede de armazenamento de Nelson, estava repercutindo muito além dos círculos de especialistas em arquitetura, uma vez que a revista Time também a trouxera para as suas páginas. A publicação recomendava, em pleno espírito consumista: “se uma família tivesse todas as paredes de sua casa construídas como paredes de armazenamento, ela poderia comprar todas as roupas, acessórios e bugigangas que quisesse sem ficar sem espaço para guardar todos eles”.

Primeiro showroom Herman Miller em Chicago, 1939.

Logo no início do jantar, Nelson disse humildemente a De Pree que, embora tivesse projetado alguns móveis, não conhecia muito de design. O empresário, contudo, via no jovem arquiteto “um estudioso atento da vida”, que participaria da criação das soluções de mobiliário que estavam por vir. Seu entusiasmo com Nelson não diminuiu nem quando o jovem mostrou ter um hábito que ele desprezava, dizendo ao garçom que gostaria de beber um martini. Em um texto de 1984, no qual recorda a situação, Nelson diz que ainda não sabia das “opiniões severas” de seu futuro chefe sobre “os males da bebida”. Batista devoto, De Pree, recorda ele, passou o pedido ao garçom “com um rosto muito sério”.

Após retornar a Nova York, onde morava, Nelson concordou em encontrar-se com Jim Eppinger, diretor comercial da Herman Miller e ajudante de De Pree. Embora tenha expressado algumas dúvidas sobre a falta de experiência de Nelson em projetar móveis, a opinião de Eppinger foi que a capacidade do jovem em identificar o que se tornaria relevante no design de mobiliário era mais importante do que isso. O fato de Nelson ter realizado uma série de entrevistas com alguns dos arquitetos mais inovadores da Europa, como Walter Gropius, Gio Ponti, Le Corbusier e Mies van der Rohe, certamente contribuiu para que ele tivesse uma percepção afiada das mudanças em curso.

Storage Wall de George Nelson

Apresentando-a em uma escrita convincente, Nelson deu a De Pree – como resume Amy Auscherman em Herman Miller: A Way of Living – “evidência de sua ampla visão e capacidade de solucionar problemas”. Oito meses depois do jantar entre os dois em Detroit, eles acertavam os detalhes da contratação. Assim como fizera Rohde, Nelson aceitou projetar mobiliário residencial e corporativo em troca de 3% de royalties nas vendas.

Em 1947, a primeira coleção de mobiliário Nelson foi lançada pela Herman Miller, com mais de 70 peças. No início daquele ano, em artigo publicado na revista Fortune, na preparação do qual ele viajara por todo o Estados Unidos inteirando-se do estado de coisas na indústria moveleira, o jovem deixara claro seu desgosto com o que vira: “98% das mercadorias expostas são terríveis em sua mediocridade incolor, e metade delas é escandalosamente ruim”.

Porém as melhorias propostas por Nelson não viriam sem muita colaboração. Nomeado diretor de design da Herman Miller ainda em 1947, ele deixou claro desde o início que buscaria outros talentos para contribuir na renovação da marca.

Valendo-se de suas habilidades como editor, ele não tardou a atrair colaboradores como o escultor Isamu Noguchi e o arquiteto Paul László. Mas a conexão mais significativa produzida por Nelson foi sem dúvida com uma dupla que vinha chamando a atenção, após uma fantástica exposição no Museu de Arte Moderna de Nova York: Charles e Ray Eames.

As primeiras peças deste grupo apareceram no catálogo da Herman Miller de 1948. A introdução, escrita por Nelson, tem trechos que definem até hoje princípios da marca norte-americana, como a convicção de que “existe mercado para o bom design”. Contudo, apontava o autor, uma sociedade em rápida transformação e uma indústria moveleira atrasada e medrosa faziam com que pairasse uma enorme dúvida sobre o que seria esse bom design. A nova coleção da Herman Miller, segundo ele, respondia a isso melhor do que qualquer palavra.

No mesmo texto, Nelson argumentava que o fato da maior parte da coleção ter sido projetada por pessoas formadas em arquitetura era mais do que uma coincidência. Citando designers com formação arquitetônica que colaboravam com outras marcas, como Marcel Breuer, Alvar Aalto e Eero Saarinen, ele louvava as inovações trazidas pelo “arquiteto-na-indústria”, que jamais olhava para os problemas de forma isolada.

Ícones como a mesa Noguchi e a poltrona Eames Molded Plywood fizeram a glória daquele catálogo, mas nele também foram apresentadas algumas maravilhas de Nelson, como as luminárias Bubble e a poltrona Coconut. Não é exagero afirmar que, durante seu tempo como diretor de design da Herman Miller, ele foi uma das pessoas que definiu o mobiliário modernista de meados do século.

Sua última frase no artigo publicado na Fortune parece hoje profética. Nelson dizia ali, enigmaticamente, que havia “novas brechas” no segmento. Foi por elas que ele começou a escorregar para dentro naquele jantar em Detroit, no qual ele bebeu dois martinis, e o grande fundador da Herman Miller, suco de tomate.

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