Buscar

Um estudo muito especial: A Eames House é um caso único na história da arquitetura

Ícone da arquitetura moderna, a casa projetada por Charles e Ray Eames em Pacific Palisades é uma das mais incríveis realizações de um programa que reuniu alguns dos melhores arquitetos do século XX, e que ficou conhecido como Case Study Houses. A proposta, levada adiante por criadores como Pierre Koenig, Raphael Soriano, Craig Ellwood e Richard Neutra consistia em colaborar na invenção de um novo morar no ambiente californiano da segunda metade dos anos 1940, no qual novos tipos de lazer e visibilidade social se desenvolviam.

Impulsionada por John Entenza, editor da Arts & Architecture Magazine, que contribuiu na difusão das ideias arquitetônicas que emergiam, na identificação e articulação de talentos, e na viabilização financeira dos projetos, a empreitada coletiva originou mais de trinta casas. Algumas delas são especialmente célebres, e costumam ser referidas pelo nome de seu primeiro proprietário ou pelo número que aponta sua posição na ordem cronológica do programa.

A comunicação entre as áreas, a abertura dos planos, e a ampla utilização do vidro, em estruturas pré-moldadas de aço, são características comuns aos projetos. Tais materiais foram essenciais para possibilitar as construções, dada a escassez da pedra e do tijolo no contexto do pós-guerra. Sua aplicação também fazia parte do intuito inovador que orientava todo o programa das Case Study Houses. Em cada uma delas, o vidro se estende do piso até o teto, geralmente em vários espaços. Charles e Ray projetaram a residência adquirida por Entenza, n°9, além daquela que se tornou a moradia deles, a Case Study House n°8 ou Casa Eames. O renome deste projeto está muito ligado ao fato de que a dupla soube integrá-lo às características do ambiente e do terreno de forma magistral, mantendo a encosta, por onde se chega, e abrindo a vista nas três outras faces da casa, onde se vê o entorno arborizado.

Intercalados com as vidraças, painéis coloridos desenvolvidos por Ray dão à Casa Eames um aspecto alegre, e apontam para algo que a distingue das demais Case Study Houses, pois ela foi a única a ser utilizada como residência dos próprios criadores. De forma análoga a outras realizações de Ray, como a estampa Dot Pattern e o Eames Stool, os painéis proclamam sutilmente a imbricação da arquitetura, do design e da arte. Eles são um sinal de uma das funções primordiais daquele espaço, perceptível nas histórias do período em que a dupla ali morava: promover uma arte de viver possibilitada pelo fazer artístico.

Juntamente com Eero Saarinen, em 1945, Charles fizera o projeto da Bridge House, nunca construída, para o mesmo terreno. No ano em que se encerrava a Segunda Guerra Mundial, questões de fornecimento impediram a execução da obra. O projeto previa aplainar a encosta e retirar uma porção de árvores, com a casa se alongando de forma imponente em direção ao declive.

Durante a espera pelos materiais, Charles e Ray foram várias vezes ao terreno fazer piqueniques, com família e amigos, e se afeiçoaram a suas características naturais. Com o insucesso da execução do projeto anterior, eles tiveram o tempo de refletir sobre aspectos de sua vida, em relação com o local, as mudanças sociais e a coletividade na qual estavam inseridos.

Se considerarmos o próprio nome do programa, que revela um propósito de estudo e experimentação, é válido dizer que Charles e Ray tiveram uma oportunidade singular de planejar e reavaliar a casa em que iriam morar. Todo projeto arquitetônico envolve uma grande quantidade de estudos, ensaios e ajustes, mas o da Eames House é um caso único. Não apenas ela só veio a ser construída em 1949, após quatro anos de reflexões e um projeto anterior com a participação de Saarinen, mas também foi pensada para a vida conjunta de dois criadores extraordinários, que faziam parte de um círculo de artistas, no sentido amplo da palavra, igualmente fora do comum.

Assim sendo, uma variedade de soluções foi encontrada para tornar a Case Study House n°8 especialmente acolhedora. O sombreado das árvores, mantidas próximas à casa, proporcionam a regulação térmica necessária diante da preponderância do vidro e do aço em suas faces. A madeira do piso, em alguns espaços, das escadas, de painéis, de armários e da estante na sala contribui para criar uma atmosfera aconchegante, equilibrando a frieza da estrutura modular. Os tapetes, utilizados em abundância, bem como o tecido dos sofás, produzem o mesmo efeito.

Quando Charles e Ray se mudaram para Pacific Palisades, no final de 1949, o Eames Office em Los Angeles já existia há seis anos e continuaria sendo seu principal espaço de trabalho. Mas a nova residência funcionaria como uma espécie de laboratório, fundamental para o processo criativo da dupla. Um estúdio situado na menor porção da casa, separado da outra por um jardim, serviu de local para a realização de filmes, revelações fotográficas, criação de brinquedos, experimentos com design de plantas, além do acolhimento de hóspedes.

Por diversas vezes, o casal trouxe móveis que haviam desenvolvido em Los Angeles à Eames House. Segundo Ray, isso ajudava a ter uma melhor noção de escala. Mas além da questão espacial, é evidente que o afeto era determinante na validação dos projetos, como havia sido no da casa. Um fluxo criativo se constituía, levado pela dupla, entre os dois locais.

Posts relacionados

Uma revolução estética nascida da amizade

A Segunda Guerra acabara de chegar ao fim e uma empresa de mobiliário fundada na década anterior se aprontava para assumir uma posição assaz elevada…
Ler artigo

Uma colaboração de sucesso

Quando a Herman Miller fez o primeiro contato com o escritório de design Studio 7.5, o quarteto à frente da equipe - Carola Zwick, Roland…
Ler artigo

O jantar que mudou a história do design

Uma das parcerias mais produtivas da história do design teve início com um jantar entre dois homens, no restaurante do hotel Book-Cadillac, em Detroit, na…
Ler artigo

Comentários